Fedor Emelianenko: A Lenda

É prepotência demais dizer que um homem é o melhor lutador do mundo. Não existe "O" melhor, porém existem os melhores.  Fedor Emelianenko, “The Last Emperor”, o nosso padeiro, com certeza foi um dos melhores lutadores de MMA de todos os tempos. Como definir esse russo que derrubou gigantes, submeteu lutadores expoentes, que não gosta muito da mídia, nunca encara o rosto de seus adversários e tem um espetacular físico de padeiro de meia idade? Fedor só pode ser definido com uma palavra: coração.

Fedor é do tempo em que você lutava apenas com a cara e a coragem. Sem dúvida ele é um lutador de técnica surpreendente, mas o que marcou sua carreira foi vê-lo sempre indo para cima do oponente, nunca recuando, entrando no jogo do adversário e dominando-o em seu próprio território. Quem viu os tempos do PRIDE, deve se lembrar de Fedor escapando das tentativas de submissão de Minotauro e impondo seu ground and paound poderoso. Lembra de Fedor sobrevivendo aos golpes poderosíssimos de Mirko Crocop e contra-atacando com maestria. O homem que submeteu duas vezes o temido wrestler Mark Coleman. Fedor, o peso pesado mais temido do mundo por muito tempo. Mas não hoje.

Fedor Emelianenko com os cinturões conquistados no PRIDE.

Tem muitos lutadores conhecidos pela falação antes da luta, por falar que vão destruir seu adversário, humilhá-lo, sobem no ringue e encaram o adversário fazendo cara de mau e com ódio nos olhos. Mas não Fedor. O russo sempre foi humilde em suas poucas entrevistas, nunca disse que era o melhor e nunca entrou no jogo das encaradas, pra ver quem vence no concurso da cara de malvado.

Muita gente não conhece essa figura. Muita gente nem sabe o que foi o PRIDE. Muita gente, muita mesmo nesse caso, pensa que UFC é o nome do esporte. O esporte é MMA, um dos eventos de MMA que existe é o UFC, evento que Fedor nunca pisou. Sem dúvida hoje o UFC é o maior evento de MMA do mundo, porém Emelianenko nunca quis ir pra lá. Há quem diga que é por medo dos lutadores de alto nível que o evento tem sob contrato. Fedor diz que Dana White não valoriza seus lutadores como deve, que eles são apenas produtos de marketing. Já Dana White diz que Fedor Emelianenko que é supervalorizado, que não é o grande lutador que todos dizem. A verdade sobre Fedor nunca ter pisado no maior evento de MMA do mundo, provavelmente nunca saberemos, mas uma coisa é certa: Dana White não sabe o que está falando.

Fedor Emelianenko começou a carreira em maio de 2000. Enfrentou cinco adversários naquele ano. Venceu quatro lutas, inclusive uma luta duríssima contra o brasileiro Ricardo Arona por pontos. Na quinta luta, ele “perdeu”. Mas por que entre aspas? Uma luta de 16 segundos, em que a única coisa que aconteceu foi que seu adversário, o japonês Tsuyoshi Kohsaka, acidentalmente cortou o supercílio de Fedor com uma cotovelada. Você acha que deveria ser considerado uma derrota ou uma luta sem resultado? Veja o vídeo:

Olha o "cortezinho" que o Kohsaka fez no Fedor.

Depois disso, veio o ano de 2001. Aí vieram 27 vitórias seguidas, com apenas uma luta sem resultado entre elas. Entre todas essas lutas, existem alguns combates que precisam ser destacados. Um deles foi o confronto extraordinário contra outra brasileiro, Renato “Babalu” Sobral, em uma luta muito equilibrada. Outra luta foi contra o magnífico holandês Semmy Schilt, hoje hexa campeão do K1, maior evento de kickboxing do mundo. “The Dutch Destroyer” Semmy Schilt é temido não apenas pelo seu karate formidável, mas também pelo seu tamanho avantajado.

Fedor à esquerda e o "pequenino" Semmy Schilt à direita.

Aí veio o primeiro confronto antológico contra um dos melhores lutadores da história, o brazuca Antônio Rodrigo “Minotauro” Nogueira, primeiro campeão dos pesos pesados do PRIDE. A partir dessa vitória, Fedor entrou em sua melhor fase na carreira. A fase em começou a se tornar um dos lutadores mais temidos da história. Venceu duas lutas no PRIDE logo no primeiro round e mais duas outras em outros eventos antes de começar o PRIDE Heavyweight Grand Prix de 2004.  O GP que traria algumas das melhores performances de Fedor.

Logo no começo do GP, Fedor encarou nada mais que Mark “The Hammer” Coleman, um dos melhores wrestlers de todos os tempos. Depois de uma troca breve de golpes, Coleman prendendo o russo contra as cordas, Fedor venceu o combate com um armlock magistralmente aplicado e passou para a próxima fase do GP.

Coleman conseguiu bons momentos contra o russo, dominando parte da luta, ams isso não impediu que Fedor aplicasse uma armocl e vencesse.

Na próxima luta Fedor encarou o companheiro de treinos de Coleman, “The Monster” Kevin Randleman, que vinha em busca de vingança pelo companheiro. A luta teve um movimento tão sensacional, que escrito não tem a mínima graça. É preciso ver para crer. Confira:

Não, essa imagem não está de cabeça para baixo.

Randleman foi vencido. Fedor subiu mais um degrau no GP. Depois disso ele lutou contra o gigante japonês, detentor de quatro medalhas de ouro e três de bronze em campeonatos mundiais de judô e uma medalha de prata nas Olimpíadas de Barcelona em 1992, também no judô: Naoya Ogawa. A luta eu já postei AQUI. Confira. 

O último degrau. Estava na hora da verdade. De um lado da chave do GP estava Fedor Emelianenko, que vencera todos os seus adversários e chegou na final. Do outro lado, o homem que também derrotara três lutadores para chegar na final, era um velho conhecido de Fedor: Antônio Rodrigo “Minotauro” Nogueira. Dois mestres em submissão. Dois lutadores excepcionais. A luta não acabou como as pessoas no mundo inteiro queriam: no contest. Devido a uma cabeçada acidental, os dois lutadores tiveram cortes considerados perigosos, então a luta acabou sem resultado. Mas o anti clímax não durou muito, pois a luta entre dois dos homens mais temidos do PRIDE foi remarcada e aconteceu quatro meses depois. Uma das melhores lutas da história. Se você ainda não viu, corra atrás dessa luta e veja imediatamente. 

Fedor conseguiu resistir bem ao jogo de chão de Minotauro e impôs um castigo ao brasileiro.

Fedor venceu Minotauro pela segunda vez, depois de uma batalha como poucas vezes foi vista. Ele havia conseguido. Unificou os cinturões dos pesados do PRIDE. Estava no topo do mundo das lutas.  Mas o teste de fogo estava chegando. Fedor teve que defender seu cinturão contra o striker mais temido da época. O homem que “mandava lutadores para o hospital com a perna direita e para o cemitério com a esquerda”. O policial croata. Mirko “Cro Cop” Filipovic.

Fedor vs Cro Cop foi considerada a melhor luta da década de 2000. E não é pra menos. No primeiro round, Cro Cop quebrou o nariz de Fedor com um soco, mas o russo continuou lutando. Um combate que não deixou de ter movimentação nem por um minuto, que rendeu uma das melhores trocações de golpes da história do MMA. Uma luta que eu não poderia deixar de postar aqui.

Fedor estava em sua fase dourada. Ele tinha seu cinturão e sua coroa. Faltava apenas a última jóia de sua carreira: a revanche contra Mark Coleman. Muita gente pode discordar que Fedor vs Coleman 2 tenha sido uma luta tão importante na carreira de Fedor. Realmente, não há como comparar essa luta com os confrontos contra Minotauro ou a luta contra Cro Cop, mas ela é muito relevante. Não tanto para a carreira do russo, mas para vermos como é o ser humano Fedor, não apenas o lutador. Depois do rosto de Coleman ficar desfigurado pelo inchaço dos socos do russo, Fedor venceu por submissão com um armlock. Não foi nenhuma surpresa, considerando a fase do russo na época. O que foi comovente, foram as filhas de Mark Coleman, chorando desesperadas devido a aparência do pai. Nesse vídeo, além da luta, no final está a cena com as filhas de Coleman e o ato majestoso de Fedor, consolando as pequenas. Caso não queira ver a luta, pule para os 12 minutos. Não é brincadeira, esse é o momento mais bonito da história do MMA. 

Depois de tudo isso, Fedor passou a ser considerado invencível (uma palavra que ele mesmo nunca gostou), além de ser considerado o melhor lutador da história. O legado de Fedor Emelianenko estava consolidado antes do lutador completar os 30 anos. Porém, ele não parou. Derrotou ainda Mark Hunt, Matt Lindland e o gigante Hong Man Choi.  Mas essas vitórias não significavam tanto assim, porque nenhum desses lutadores estava em um mesmo patamar que Fedor. Pelo contrário. Mesmo o gigante Hong Man Choi, não pode ser considerado um oponente tão perigoso. 

Só pra ilustrar: Fedor Emelianenko tem 1,83m de altura.

Os problemas de Fedor começaram a surgir. O PRIDE estava extinto e o melhor lutador do mundo estava sem evento para lutar. O motivo? As discordâncias entre Fedor e Dana White, presidente do UFC. Os dois nunca conseguiram entrar em acordo. Dana acusando Fedor de covarde, Fedor não querendo abrir mão dos torneios de sambô e o sonho de ver Fedor enfrentar os melhores do mundo novamente ficando cada vez mais distante. Então veio um novo evento nos EUA, o Affliction. Fedor destruiu o ex campeão mundial dos pesos pesados do UFC, Tim Sylvia, em apenas 30 segundos. Claro que Tim não estava em seus melhores dias. Os Estados Unidos foram o começo da pior fase na carreira de Fedor. Mas enquanto isso, veja a sova que o Sylvia levou:

O segundo evento do Affliction chegou e o adversário de Fedor era outro ex campeão do UFC. O bielorrusso Andrei Arlovski prometeu nocautear Fedor e lhe dar a luta mais difícil de sua carreira. Por alguns momentos, Arlovski cumpriu a promessa. O “Pitbull” atacou Fedor ferozmente, inibindo o conhecido ataque inicial de Fedor. Arlovski realmente encurralou Fedor com seu ataque, mas o russo do nada acertou um soco em Arlovski que lhe quebrou a mandíbula e fez o Pitbull beijar a lona. Desde então Arlovski perdeu mais três lutas, duas por nocaute. Fedor diz que a luta estava sobre controle e não sentiu os golpes. Muitos disseram que foi sorte do russo. Tire suas próprias conclusões:

Fedor vs Arlvoski: O começo do fim. 

O soco milagroso.

O Affliction acabou e Fedor novamente estava sem evento. O UFC voltou a fazer suas propostas e as recusas de Fedor continuaram. O russo assinou com o evento rival, o Strikeforce. O primeiro adversário? O limitado americano Brett Rogers. Um homem grande, no limite da categoria dos pesados, com uma força monstruosa e uma técnica quase inexistente. Um sujeito que deu um dos maiores sufocos da carreira de Emelianenko. Além de quebrar o nariz do russo, Rogers conseguiu prender o russo contra as grades e neutralizar seu jogo. No segundo round, Fedor conseguiu a vitória graças ao seu poderosíssimo soco cruzado de direita. Era a primeira luta de Fedor em uma jaula. E as dificuldades foram agravadas.

Brett Roger quase precisou de um transplante de cabeça.

A derrota. Menos de um minuto e meio. Apesar do que os rankings mostram Fabrício Werdum não é um lutador de um patamar tão alto assim, mas ainda um bom lutador. Venceu Fedor com um triângulo, a primeira derrota real do russo. Fedor, que derrotou tantos adversários por submissão, cometeu o mesmo erro primário que seus adversários. Mesmo assim o russo conseguiu resistir bravamente. Veja:

Ai veio Pezão. Não há muito o que dizer. O brasileiro surrou Fedor. Novamente no mesmo jogo que tanto lhe deu dificuldades contra Brett Rogers: as grades. O nosso padeiro não conseguiu se adaptar em lutar em uma jaula, depois de 10 anos lutando em ringues, e foi facilmente dominado por Antônio Pezão. A vitória veio por interrupção médica. Mas analisando a carreira de Fedor, a vitória era possível, afinal ele conseguiu transformar derrotas certas em vitórias magníficas. Vide Randleman e Fujita.

Fedor de mão abaixada e o adversário de mão erguida. Uma cena incomum.

Dia 30 de julho de 2011. “The Last Emperor” Fedor Emelianenko vs Dan “Hendo” Henderson. Duas lendas entraram na jaula. E Hendo saiu vencedor. Uma luta que começou muito movimentada, assim como nos tempos áureos do PRIDE. Sem frescura, direto ao ponto. Algo que poderíamos esperar dos dois maiores campeões do evento japonês. Nenhum havia sido nocauteado na carreira. Só um saiu sem “TKO” marcado no cartel. Muita gente, inclusive eu, acham que Herb Dean, o juiz dessa luta, interrompeu ela cedo demais. Mas o que ninguém pode discordar, é que Hendo foi muito melhor. Não viu a luta? Veja agora:

É triste. Fedor Emelianenko é meu ídolo assim como de milhares, talvez milhões, de pessoas. É difícil ver um ídolo em uma fase assim. Mas as palavras do próprio Fedor expressam melhor do que qualquer coisa que eu escreva: “As pessoas têm que entender que eu não sou uma máquina ou robô. Há bons e maus momentos”. Seja como for, Fedor Emelianenko, assim como Minotauro, Wanderlei Silva e Mirko Cro Cop, os quatro homens que por muito tempo foram os mais temidos no MMA, sofrem do mesmo mal. Não sei dizer o que é esse “mal do PRIDE”, mas os quatros estão em má fase. Cro Cop ganha uma luta e perde outra por nocaute arrasador, Wanderlei perdeu quatro de suas seis lutas no UFC, Minotauro está lutando de ano em ano e Fedor não teve sorte desde que começou a lutar nos EUA. É triste, mas não vamos mais ver esses lutadores dominantes como víamos anos atrás.

Fedor com sua equipe de treinamentos e seu padre da Igreja Ortodoxa.

No caso de Fedor, acredito que essa má fase dele não seja apenas azar, mas sim o fato dele ter se acomodado um pouco. Fedor ficou anos na Rússia treinando a mesma coisa, sem sair pelo mundo para aprender algo novo. Na preparação para enfrentar Hendo, ele chegou a passar duas semanas na Holanda treinando com Ernesto Hoost, mas claro que duas semanas não são o suficiente. Além do mais, Fedor tem lutado descuidado, sem prestar atenção na luta. O russo sempre foi um lutador agressivo, mas antes era mais observador, sabendo explorar as brechas do adversário. Hoje ele ataca e ataca, não observa mais. Some tudo isso ao fato de não ter tido grandes adversários nos últimos anos e chegamos a situação atual.

O russo, caso queira continuar sua carreira, vai ter que aprender a lutar nos moldes de hoje. Está na hora de saber usar a jaula em seu favor. Talvez ele deva sair da Rússia e ir para os EUA, que querendo ou não, hoje é o melhor centro de treinamento de lutadores do mundo. Fedor não sabe ainda o que via fazer no futuro, mas vamos torcer que independente de sua decisão, que venha o melhor para o russo. E deixo a frase que Fedor disse quando perdeu para Werdum: “Quem não cai, nunca dá a volta por cima”.

E por fim, um tributo à lenda.

E aí, acha que está na hora de Fedor se aposentar? Ele deve continuar? Quer fazer alguma pergunta? Dê seu pitaco abaixo: